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Ensino Superior no Brasil e no Mundo

terça-feira, 2 de julho de 2013

Ensino Superior: Industrial ou Humano?



De forma simples, um processo industrial constitui-se de procedimentos envolvendo etapas bem definidas que fazem parte da manufatura de um ou vários itens, usualmente em grande escala. Existe a necessidade da identificação clara do que é a matéria-prima (a entrada) e naturalmente do produto final (a saída) que se deseja obter. Também se faz necessária uma supervisão permanente, com o intuito de avaliar e corrigir eventuais erros ou deficiências que venham a existir nas etapas envolvidas no processo em si.


O Ensino Superior não poderia então ser percebido como se fosse um processo industrial? Acompanhe o raciocínio. Seria feita uma análise cuidadosa dos planos de desenvolvimento (econômico, social, tecnológico, etc.) da nação. Essa análise serviria para quantificar o número de profissionais (engenheiros, médicos, advogados, dentistas, psicólogos e outros) que deveria existir em cada uma das áreas de conhecimento, identificadas pela sociedade. Considerando-se esses números, as Instiruições de Ensino Superior (IES) ofereceriam então a quantidade exata de vagas para cada uma das áreas de conhecimento de interesse. 


A matéria-prima seria os próprios alunos. O produto final seria os formandos (profissionais). As etapas do processo estariam representadas, por exemplo, pelos exames de ingresso,  disciplinas dos cursos,  estágios obrigatórios e projetos de fim de curso. Docentes, discentes, governo e sociedade representariam, por exemplo, o agente supervisor. Tudo perfeitamente planejado e padronizado. A previsibilidade estaria garantida no processo. Por mais bizarro, frio e calculista que possa parecer, arrisco-me a dizer que a essência do processo descrito guia a implementaçao de inúmeros sistemas de ensino espalhados pelo mundo afora, inclusive no Brasil. O que talvez impeça a imediata constatação da assertiva anterior é que os programas de ensino, ao serem divulgados ante a sociedade, são frequentemente revestidos por uma roupagem mais, digamos, socialmente agradável. Isso é natural que ocorra, pois estes  são ligados diretamente à política de governo, e nenhum governo, obviamente, deseja ter sua imagem vinculada a algo bizarro, frio e calculista.




É fácil tecer críticas sobre esse modelo de processo. Inúmeros filósofos, escritores e estudiosos, do passado e do presente, como Aldous Huxley, Benjamim Bloom, Paulo Freire, Ken Robinson e Lueny Morell, já bem explicaram e argumentaram sobre a natural condição humana de dependência relacionada a aspectos inteiramente e exclusivamente individuais, como, por exemplo, motivação, vocação e felicidade. O ser humano, por definição, é rico em sua diversidade e também é extremamente emocional. O ser humano não é, portanto,  uma máquina a ser programada. Não pode, ou não deveria, ser inserido em qualquer processo sistêmico que esteja baseado em uma suposta padronização que vise essencialmente ao coletivo.  


Sob essa mesma linha de pensamento, também se debate frequentemente sobre a dificuldade do estabelecimento de um modelo padrão de ensino-aprendizagem para as gerações Y e Z em virtude de uma suposta inquietação e falta de concentração dos indivíduos dessas gerações. Há quem diga inclusive que as estatísticas relacionadas ao transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) estariam equivocadas quando apontam para o seu crescimento vertiginoso nas populações ocidentais. 
A explicação seria que o diagnóstico não leva em conta o desenvolvimento tecnológico já atingido pela sociedade, o qual oferta uma enormidade de opções para o processo ensino-aprendizagem, bem diferentes do modelo clássico professor-quadro-aluno, e, principalmente,  tampouco considera a diversidade do indivíduo, o qual pode melhor aprender se o método aplicado é de seu real interesse, e não estabelecido essencialmente em prol de um coletivo por meio de ditames padronizados.

Por outro lado, mesmo admitindo-se a total correção filosófica da exposição anterior, não vejo como seria possível considerar a diversidade sonhada ao implementar-se um sistema real de educação que tencione ser o mais eficiente possível para a sociedade. Há de se considerar que, ao se pensar em democracia, sociedade, justiça e termos afins, se faz notoriamente necessário associar também a definição de coletivo. Ou seja, é preciso que os guias de implementação estejam prioritariamente focados no coletivo. E não há como fazer isso se não for por meio de esquemas padronizados: o coletivo prepondera sobre o individual, sobre a diversidade. O coletivo, ou seja a padronização, deve ter sim a prioridade do governo. Essa é a realidade. 

Mas, claro, que há de se argumentar que uma política de governo essencialmente focada no coletivo pode se tornar também por vezes míope, sem enxergar a riqueza que poderia ser produzida pela diversidade. Isso é verdade também. Mas então qual seria a solução? A alternativa é única: continuar sim a investir na padronização do sistema de ensino-aprendizagem, considerando os interesses supremos da nação para definir-se a entrada e a saída do processo, además das métricas de contínua avaliação para assegurar-se que as devidas correções necessárias ocorram ao longo do tempo, perfeccionando-se o processo. Somente então, e desde que considerando o anterior satisfatoriamente atendido, desenvolver e implementar, em simultâneo, processos que visem à identificação da diversidade individual, ou seja, aderir-se ao que, filosoficamente, tem sido disseminado como o mais acertado para o ensino-aprendizagem. Estabele-se assim a diferença entre o possível em prática  e o filosoficamente ideal. Talvez até bizarro, frio, calculista e até industrial, mas, sobretudo, real.

Que Deus nos faça sempre felizes!


Escrito por: Prof. Carlo Kleber da Silva Rodrigues