Ano
após ano temos visto, e vivido, o mesmo drama. Drama que tem sido anunciado, há
milênios, já que se trata de uma situação natural. Então, cabe, justa, e
expressamente, a pergunta: por que é um drama? A seca é um fenômeno cíclico,
ambientalmente, definido; e que deve, repito, deve ser visto como um período de
enormes vantagens para o homem do campo, bem como, por conseguinte, e
inexorável decorrência, para os que estão na zona urbana.
Vantagens? Sim. Vantagens.
Durante o período seco, podemos trabalhar a terra sem as complicações que são
comuns, em tempos de chuva: aguaceiros, atoleiros, estradas de terra sem
condições de trânsito etc. O período de chuvas deveria ser aquele em que
estaríamos mais preocupados em capturarmos, e armazenarmos a água que caiu
para, na sequência, ser utilizada nas várias atividades.
E
alguns, precipitada, e desavisadamente, a exemplo de líderes religiosos,
gestores públicos, diversos técnicos, e líderes da sociedade civil organizada,
ou não, poderiam, retoricamente, perguntar: esse cara é maluco, em apontar a
seca como uma dádiva? Não. Não sou maluco, e digo isso, absolutamente, convicto
do que estou dizendo. Embora nunca tenha visto um maluco admitindo a sua
loucura. E me posicionarei,
contrariamente, a todos os que fazem, irracionalmente, a propaganda da seca
como a responsável pelo sem número de mortes para animais, e plantas, e
dificuldades experimentadas por quem habita o riquíssimo semiárido brasileiro.
No
livro Memorial da Sêca, organizado por Vingt-un Rosado, em edição especial para
o Acervo Virtual Oswaldo Lamartine de Faria, vinculado à Coleção Mossoroense em
seu primeiro capítulo trata “Dos Meios Eficazes Para Prevenir E Atenuar Os
Efeitos Das Secas Periódicas”. Como todos podem ver, só o título já permite
perceber o enorme conjunto de conceitos técnicos, e sociais que permeiam a
obra. Não poderia ser diferente! Conviver com as estiagens, muito mais que um
ato de extrema bravura, deveria ser resultado de atos de inteligência por quem
possui as condições intelectuais, técnicas, e de gestão para tanto.
Segundo
o livro, em seu primeiro parágrafo, “A falta e o excesso de água no solo são
igualmente nocivos e muitas vezes ocorrem na mesma região por circunstâncias
especiais”. Diferentemente do que muitos legisladores, gestores públicos, e
várias autoridades, costumam achar o semiárido não é uma toalha branca. Não é
um coisa só. É um complexo. É uma colcha de retalhos, em sua mais completa, e
perfeita tradução. E suas inúmeras peculiaridades no que se refere aos vários
tipos de solo, vegetação, ocupação humana, redes de drenagem etc, devem ser
consideradas quando da elaboração de quaisquer ações com vistas à produção
agrícola, ou para mitigar os efeitos de secas, e inundações.
Isso
me fez lembrar da música Súplica Cearense, de autoria de Gordurinha e Nelinho,
imortalizada por Luiz Gonzaga. A letra, sempre me intrigou, mas só, há alguns
anos, consegui, ao menos, penso, apreender o seu verdadeiro sentido. É toda ela
de uma sabedoria, sem par. E nos abre os olhos do espírito. Mas, a ressalva
crística é singular: “Quem possui olhos de ver que veja”. É claro que não serão
todos os que estarão aptos. Os compositores, à guisa de profetas, questionam,
permanentemente, a exata, ou inexata, medida de nossas rogatórias à Divindade
Maior. Historicamente o povo, e vários líderes religiosos, principalmente,
“rezou um bocado, pedindo pra chuva cair, cair sem parar”. E Deus, em sua ação,
eternamente, didático-pedagógica, ao contrário do que diz a letra, não se
zangou. Deu-nos uma lição, no melhor sentido do termo, sobre aquilo que penso
ser A Exata Medida das Coisas. Enviou água tanta que peixe procurou abrigo.
Deus não castiga. Deus ensina. Instrui. Chancela o acesso ao conhecimento. E
como Ele faz isso? Dando-nos, amorosamente, a inteligência, e o livre arbítrio.
E como se fosse pouco, nos premia, ainda, com os Princípios Morais. São eles
que nos levarão à solidariedade. Se formos espertos, é claro.
Portanto,
em lugar de pedirmos muita chuva, peçamos que chova o necessário. Que caia água
na exata medida das necessidades da terra, das plantas, do ser humano, e dos
animais! Até por que, é assim que o mecanismo natural do ciclo da água (Ciclo
Hidrogeoquímico), no planeta Terra, funciona. Não por acaso a letra fala “pedi
pra chover, mas chover de mansinho”. A natureza funciona, exatamente, assim: de
mansinho. Há que se respeitar processos, tempos, complexidades. Temos um
fotoperíodo excelente para várias plantas frutíferas. E várias outras condições
meteoroclimatológicas que podem nos colocar numa posição privilegiada diante do
mercado interno, e externo. Podemos, atendendo às questões técnicas, produzir
várias culturas, e com alta qualidade.
Mas
antes de pedirmos lembremos, oportunamente, de agradecer pela absurda
quantidade de água que temos em nossos subsolos! Água que precisa ser,
cuidadosamente, utilizada para que não salinize enormes áreas susceptíveis.
Tecnologias existem, e custos podem ser compartilhados, minimizados, ou mesmo,
eliminados.
Enchentes e secas não são fenômenos a serem combatidos.
Em Cabaceiras, Paraíba, por exemplo, as enchentes, na parte baixa da cidade, são, dentre
alguns outros fatores citados, acima, o resultado de uma decisão estúpida,
tomada, há décadas, atrás, de não mudar a área urbana para cotas mais altas,
por ocasião da construção do açude Epitácio Pessoa. Por um razão muito simples as catástrofes
decorrem de decisões mal abalizadas, ou de planejamento. O que não foi o nosso
caso, já que os engenheiros da obra avisaram das consequências possíveis de uma
decisão tão idiota. Catástrofes resultam da nossa incompetência, negligência,
imprudência, ou inoperância. Tudo isso, em maior ou menor grau. E com as
devidas e honrosas exceções.
Portanto, urge a necessidade de
tornarmos política pública todo um conjunto de conceitos, ações, planos,
programas, projetos etc, que tenham como meta, e como objetivo, a adoção de
técnicas de convivência com as condições ambientais do semiárido. Técnicas que
visem à oasificação da região: barragens subterrâneas, barraginhas, poços,
cisternas, revegetação, reflorestamento etc. Há uma enorme quantidade de meios
que podem ser utilizados para dar um novo aspecto à região em questão.
Muita coisa já vem
acontecendo, mas nos parece que o apoio dos governos deveria ser bem maior, pois suas orientações e decisões obviamente ajudam a definir o futuro da nação. É preciso, por exemplo, pensar e repensar na formação dos profissionais de nível superior dos vários cursos relacionados direta e indiretamente a esse tema como Agronomia, Agroecologia, Engenharia Florestal, Engenharia de Pesca, Medicina Veterinária, Zootecnia e Engenharia Aquicultura e tantos outros. Indago-me: estariam os profissionais egressos desses cursos suficientemente atentos para essas questões? Seriam seus currículos adequados diante dessa nova perspectiva?
E
no que concerne à população, mormente, a que vive nos espaços rurais, há que se
buscar um compromisso sério com a participação nos processos de levantamento de
seus problemas, busca de soluções, e gerenciamento dos projetos implantados. A
hora de tomar as rédeas do próprio destino já passou, há décadas. Apenas esperar que
autoridades façam tudo, é sinal de imaturidade. Quiçá, algo pior!
Escrito por: Eng. Agrônomo e aluno de Letras Armistrong de Araújo Souto
O autor propõe ver a sêca que assola, principalmente, a região Nordeste de nosso país como uma oportunidade para o desenvolvimento de novos conceitos e paradigmas, inclusive no que se refere a formação de profissionais de nível de Ensino Superior. Obrigado ao autor por sua contribuição.
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